Diálogo com a matemática e as reflexões apresentadas pelo pedagogo buscam transformar o ensino da disciplina em algo dinâmico e prazeroso
No ano em que comemoramos o centenário de nascimento de Paulo Freire, a Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais promove uma programação especial em suas redes socias para homenagear o Patrono da Educação Brasileira. Todo dia 19 de cada mês, serão publicados conteúdos diversos a respeito da vida e da obra do pedagogo. Em julho, apresentamos o conceito da Etnomatemática, área de investigação que estuda as multifacetadas relações e interconexões entre ideias matemáticas e outros elementos e constituintes culturais, como a língua, a arte, o artesanato, a construção e a educação.
Ubiratan D’Ambrósio é o precursor e idealizador desse termo no Brasil, nos anos 1970. Mas, na prática, Paulo Freire já fazia uso desse conceito em sua pedagogia. Os ensinamentos de Freire não se restringiram à leitura e à escrita, mas foram também de encontro à realidade da baixa qualidade do desempenho pelo qual passava o processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Ele mostrou com propriedade o quanto é possível fazer a diferença no ensino dessa disciplina, transformando o cenário de mecanicismo, autoritarismo e descontentamento em um ambiente onde prevalecesse a dinamicidade, a cumplicidade, a tolerância e o estímulo à busca pelo conhecimento, com cooperação e a participação efetiva de todos os envolvidos no processo.
Para isto se tornar uma realidade, é necessário os professores (re)significarem seus saberes e práticas e não dependerem exclusivamente de sua formação, mas estarem se aperfeiçoando continuamente e implantando propostas inovadoras, buscando sair de sua zona de conforto, fazendo o aluno compreender e construir suas próprias habilidades matemáticas, além de desenvolver uma consciência crítica, auxiliando-os a compreenderem e transformarem o mundo à volta.
O diálogo com a matemática e as reflexões apresentadas por Paulo Freire e outros autores, visam transformar a condição de “ensino bancário” em que se encontra ainda hoje esta disciplina – marcada com processos de ensinar e aprender, tradicionalmente desenvolvidos pela escola, cada vez mais obsoletos e desinteressantes para os alunos – em uma prática pedagógica dinâmica, criativa, que estimule os educandos a construírem seu próprio conhecimento.
Para Freire, dizer não ao “ensino bancário” da Matemática é não considerá-la uma disciplina estanque, uma ciência pronta e acabada e, numa definição mais ousada, uma ciência repleta de certeza e poder e, ainda, destinada a gênios, com memorização de regras e fórmulas, onde o educador faz ‘depósitos” de conteúdos que devem ser arquivados pelos educandos. Também, é impossível falar de Freire sem expressar considerações amorosas sobre a sua obra, pois são enriquecidas de lições não só de como ensinar e alfabetizar, mas também lições de fé, de renúncia e anúncio, de esperança, de liberdade, de transformação, de humanidade.
Nesse contexto educacional, é que Freire inclui também a Matemática, uma disciplina responsável por grande parte da exclusão e evasão dos alunos na escola.
Para o Educador, os professores de Matemática mais que “ministradores de aulas” precisam ser mediadores do conhecimento, auxiliadores, fazendo com que os alunos se tornem mais criativos, reflexivos e críticos, interativos, colaboradores, que podem e devem opinar, participar e que sejam livres para pensar e construir seu próprio conhecimento. “O que importa, realmente, ao ajudar-se o homem é ajudá-lo a ajudar-se. É fazê-lo agente de sua própria recuperação. É, repitamos, pô-lo numa postura conscientemente crítica diante de seus problemas” (1967, p.56).
Freire chama a atenção de que ensinar matemática é um desafio, e enfatiza que não dá mais para trabalhar com essa disciplina utilizando apenas a perspectiva tradicional de ensino. É importante levar em consideração o contexto social em que o aluno está inserido, suas experiências anteriores e seus valores culturais, sociais e morais. Sempre que o aluno realiza atividades, principalmente as que exigem concentração, ele leva em consideração suas experiências anteriores, outras situações que possam lhe mostrar uma saída.
Em outras palavras, a matemática não pode ser uma disciplina fechada, abstrata ou desligada da realidade. O professor deve conhecer a realidade de seus alunos/educandos, seu cotidiano, suas experiências e trabalhar de forma a inserir esta realidade nas atividades. Fazer com que os alunos vivenciem o conteúdo que tenha a ver com seu contexto cultural, social e não um conteúdo desconexo da realidade, era o que sempre defendia Freire.
Dessa forma, o ensino da Matemática deve se voltar para a exploração de metodologias que incentivem a busca de estratégias, o levantamento de hipóteses, de suposições, a argumentação, o trabalho coletivo, a criatividade, a iniciativa pessoal e a autonomia advinda do desenvolvimento da confiança na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios. Neste sentido, a Matemática não é um olhar para as coisas prontas e definitivas, mas a construção e a apropriação de um conhecimento pelo aluno, que se servirá dele para compreender e transformar sua realidade.
Como já disse, o ser crítico é um ser bastante valorizado por Freire que explicita a necessidade de o aluno inquietar-se diante do desconhecido e dos desafios que a escola e a vida lhes impõem. Ser curioso, principalmente na Matemática, surge como ponto de partida para novas descobertas, para novas indagações, como forma de não se acomodar, não se aquietar perante as dúvidas e perante a realidade.
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere e alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos (FREIRE, 2000, p. 35).
Freire ainda chama a atenção não só do educando, mas também do educador, quando alerta para a necessidade de uma prática pedagógica suscetível a transformações, o educador deve ter sempre uma postura crítica que lhe permita, após identificar os erros, fazer os alunos aprenderem com ele, revendo suas posturas e comportamentos, suas ações e visando à promoção de mudanças reais que levem à melhoria das condições de vida de cada um na sociedade.
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Na concepção de Freire, o diálogo é uma relação horizontal, que pode ser estabelecida em qualquer local. Consiste em um ato de amor, humildade, esperança, fé e confiança. Freire é um dos defensores das relações dialógicas entre os seres humanos em busca de um reencontro consigo mesmo. É inegável que sua contribuição, seu legado para a educação seja tão rico e transformador!
Faltam dois meses para o Centenário.
Viva Paulo Freire!!!!